Testemunho da minha fé (resumido)
Às vezes a nossa vida dá umas reviravoltas muito improváveis. Eu olho para trás e penso que se alguém me contasse as coisas que aconteceriam comigo no futuro eu simplesmente não iria acreditar. Uma dessas coisas improváveis que aconteceu comigo refere-se a minha fé. Desde criança muito pequena eu lembro de ter esse sentimento de acreditar muito nas coisas. Quando eu era criança eu gostava das aulas de religião pois fui ensinada pela minha mãe que havia um Deus lá em cima olhando por mim, apesar de ela não ter o hábito de frequentar igrejas. Eu queria saber quem era esse Deus e o que ele fazia, então por decisão minha e sugestão da minha professora de religião, Maria Helena, comecei a fazer as aulas de catequese. Aquilo pra mim era muito estimulante, finalmente eu iria descobrir quem era Deus e o que ele queria de mim. Eu tinha mil perguntas e as professoras de catequese se chateavam um pouco comigo, calma menina. Eu queria saber de onde vinha Deus, quem eram seus pais, o que ele fazia lá em cima e coisas desse tipo, perguntas que as minhas professoras não sabiam ao certo como responder: ele existe desde sempre Deise, chega de perguntas! Aquilo me deixou um pouco confusa e frustrada, como essas pessoas que ensinam sobre Deus não sabem essas coisas? Uma dessas professoras chegou a dizer para a minha mãe que eu seria freira, tamanha minha vontade de conhecer Deus, imagina. Mas enfim, a falta de respostas aliada a falta de incentivo de um pai ateu fizeram ir por água abaixo a minha curiosidade Teológica. Acabei não fazendo a crisma, que minha avó tanto queria que eu fizesse, ela queria ser minha madrinha.
Aos poucos eu parei de ir na igreja e fui me interessando cada vez mais por ciência, muito cedo eu já sabia quem eram os grande cientistas e as principais teorias científicas do século passado pois eu lia as revistas do meu pai, grande entusiasta da ciência em geral. As idéias do meu pai faziam sentido, cada vez mais e eu percebia que tudo tinha uma explicação científica e os assuntos que a ciência não tratava para mim foram tornando-se cada vez mais desinteressantes.
Desde que meu pai separou-se da minha mãe quando eu tinha 10 anos de idade nós saíamos todo domingo e nossos passeios resumiam-se basicamente a ir ao cinema, e conversar na praça de alimentação dos shoppings, principalmente sobre ciência. Ele comprava revistas científicas, falava de algum tema e depois discutíamos sobre aquilo e eu achava muito divertido, pois sempre tive essa curiosidade profunda e vontade de aprender sobre tudo. Depois de um tempo meu pai interessou-se em ler a bíblia para apontar defeitos de coerência lógica, ele vinha com páginas e mais páginas para eu ler e depois discutíamos sobre aquilo. Minhas irmãs ainda eram muito pequenas então ficavam pintando revistinhas ou lendo gibis. Meu pai falava sobre ciência, criticava o Cristianismo e também acreditava bastante na importância dos filósofos Gregos, da ética e da necessidade de não se cometer falácias durante os nossos discursos. Essa foi basicamente minha educação. Minha mãe sempre foi indecisa, acreditava em Deus mas não frequentava nenhuma igreja. Aos quinze anos eu lembro de um dia olhar para cima numa noite quente e gritar para as estrelas: Deus, tu não existe. Depois daquilo eu me senti livre como nunca havia me sentido antes, uma liberdade tão grande e a crença de que eu só precisava acreditar em mim mesma para conseguir fazer as coisas que eu queria fazer. Depois de um tempo comecei a me interessar por Rock e com o Rock veio o outro lado da moeda, algo que antes não era tão presente na minha realidade: O diabo. No meio Rock n Roll existe essa veneração pelo diabo bem representado nos chifrinhos que todo adolescente que ouve rock faz com as mãos. Para mim o diabo era apenas o símbolo da minha liberdade. No meio dos metaleiros eu conheci pessoas que eram satanistas de verdade, mas aquilo para mim era simplesmente ridículo, eu pensava: se eu não acredito em Deus, vou acreditar no diabo? Isso é algo absurdo e totalmente incoerente e reflexo de uma ignorância e completa falta de cultura. Então eu seguia incólume, fazendo chifrinhos com as mãos para me enturmar com aqueles que gostavam das mesmas músicas que eu e rindo disso por saber que não era real. Mas enfim, conheci pessoas muito tristes e muito problemáticas, e adolescentes completamente perdidos em seus pesadelos emocionais. Nesse submundo do rock adolescente existe basicamente a música, o álcool e as drogas: maconha, cocaína e lsd. Isso varia bastante. O pessoal mais novo em geral só bebe álcool, depois fuma maconha e então existe em alguns meios como o metal alguns que usam cocaína. Os aficionados pelos anos 70 sempre sonham em experimentar lsd e viver seu woodstock pessoal. Navegar por esses meios é complicado e todos que traçam esse caminho correm o risco de se perder. O que eu estava buscando? para mim eu estava vivendo a minha liberdade, mas eu sempre tive em mente que aquilo era temporário e que minha meta de vida estava nos estudos, sempre me impus esse limite, mas que controle tem uma adolescente de 17 anos? Na verdade eu percebo que eu sempre tive Deus comigo mesmo quando o negava e fazia chifrinhos com as mãos, sua presença nunca me abandonou. O quanto as coisas poderiam ter dado errado e deram de várias maneiras, mas nunca de uma maneira irreversível. Fui poupada nos meus ímpetos irresponsáveis de adolescente do pior. O mais incrível é que eu comecei a questionar a minha descrença em Deus justamente durante uma viagem de ácido aos vinte e poucos anos de idade. Depois daquela experiência eu nunca mais fui a mesma pessoa. Tudo que eu acreditava ou desacreditava até então tornou-se superficial e eu percebi que existia algo muito maior que eu e do qual eu fazia parte. Não estou dizendo que as pessoas precisam tomar ácido para se dar conta disso, mas no meu caso foi como aconteceu. Eu estava tão dura, tão irredutível na minha descrença que aquilo abalou por completo as minhas estruturas e comecei a questionar tudo, inclusive o que era real e se existia alguma realidade de fato. Mas então algo começou a me assombrar profundamente: se Deus existe, o diabo também existe. Todas as trevas pelas quais eu naveguei imaculada me invadiram e passaram a me atormentar. Comecei a estudar ocultismo e isso só piorou os meus medos, sim o mal para mim naquele momento passou a ser real e eu simplesmente não sabia o que fazer com essa informação. Não me conformava com aquilo e entrei numa crise profunda da qual ninguém conseguia me salvar. Depois de um tempo eu voltei a falar com o Cristian, um metaleiro satanista que eu conheci pelo orkut e que tinha uma banda de cabeludos. Ele já não era mais satanista, segundo o que me falava agora era gnóstico e tentava me convencer o tempo todo que a Gnosis poderia me salvar daquele caos, tudo que eu precisava fazer era aprender a meditar. E fui o que eu fiz, aprendi a meditar, mas nunca gostei da Gnosis, muito menos daquele a qual chamavam de mestre, um impostor, plagiador chamado Samael. Descobri pesquisando na internet, um pouco por minha própria intuição e outro pouco por causa da péssima escrita do pseudo-mestre, que ele lia todos os grandes gurus espirituais e copiava suas idéias como se fossem suas. Se auto-intitulava avatar da era de aquário e mais alguns outro títulos. Cristian rebatia veementemente todas as minhas críticas. Ele acreditava tão completamente naquilo que muitas vezes acabava por me convencer, mas isso só acontecia por causa da minha fragilidade e do meu medo da recém descoberta realidade das trevas.
Ainda que o pseudo-mestre me causasse repulsa eu aprendi a meditar e observar os meus pensamentos. Passei a me interessar por budismo, por hinduísmo e por incrível que possa parecer tornei-me viciada em auto-ajuda. Fui morar uma época com uma moça que era professora de dança do ventre e grande especialista em auto-ajuda. Ela falava de "O segredo" e "poder do agora" e de como aquilo tinha transformado a sua vida, o ver positivo, o pensar positivo e criar a sua própria realidade. Eu precisava de algo que afastasse as sombras e já estava desacreditada da Gnosis então eu comecei a ler essas coisas. Me sentia completamente em crise e traindo tudo que eu era, tudo que eu acreditava: por quantos anos eu ri de todas as pessoas que liam esse tipo de literatura e me achava superior a elas por gostar de Shakespeare. Que espécie de pessoa eu estava me tornando? Mas o que eu podia fazer quando Shakespeare não me fazia mais nem cócegas e eu sentia o tempo todo que eu seria soterrada por uma sombra mais espessa que a própria morte. Eu li tudo isso, mas não adiantava. meditar não adiantava muito. Adiantava um pouco, mas logo me sentia assombrada novamente. Tentava pensar positivo, focar no positivo, ver o positivo mas as sombras eram fortes demais. Eu não tinha ninguém que entendesse o que eu passava, apenas o Cristian e a única coisa que ele me dizia era para eu voltar para Gnosis, mas eu sabia que de alguma forma aquilo era ainda pior. Um certo dia eu estava pesquisando origem dos nomes e um flash passou na minha cabeça e eu lembrei da imagem do grande plagiador Samael. Fui pesquisar, o que será que significa o nome desse impostor? para minha surpresa Samel significa: o veneno de Deus, ou o traidor de Deus. Aquilo me chocou bastante e tudo fez sentido. A gnosis não era uma alternativa para os satanistas deixarem de serem satanistas e sim uma forma instituída de satanismo, uma seita travestida de Cristã, pois eles usavam o nome de Cristo de várias formas. Samael era no máximo um louco, um confuso mas eu ainda acredito que era algo mais maquiavélico do que isso. Enfim, foi muito difícil para mim me livrar disso tudo e me livrar do Cristian. Fiquei dependente dele e dos seus conselhos estúpidos. Tudo por que eu não sabia lidar com a minha sombra. Comecei a ler Jung e em algum dos seus textos ele fala sobre como devemos trabalhar a nossa sombra. Pesquisei na internet sobre trabalho com a sombra e "Shadow work" e inglês e descobri uma guru espiritual americana chamada Teal Swan. Ela diz que foi abusada na infância por um culto satânico e que é detentora de mil habilidades extra-sensoriais e que conseguiu vencer os traumas através dessa técnica inventada por ela mesma chamada "Shadow work". Consiste basicamente em meditar na sombra, ou seja, ao invés de fugir da sua sombra, você vai de encontro a ela e teoricamente depois de fazer isso durante bastante tempo você estará iluminado, como um buda ou algo do gênero. Meu desespero me levou a acreditar nessa possibilidade e eu passei a olhar seus vídeos, toda semana. Ela trata dos temas mais diversos, desde relacionamentos até anjos e demônios. Aquilo me confortava e eu sentia como se ela entendesse as dores de gente como eu. Mas no final não ajudava muito, minha angústia não diminuia e o medo do mal, do diabo e dessa coisa toda continuava a me perseguir. Eu tentava racionalizar tudo e me convencer de que Deus existia mas o diabo não, mas isso não era possível, era como se o par dicotômico Deus/diabo não pudesse ser separado. Não podia conversar com ninguém sobre isso, pois ninguém tinha noção da proporção que isso tinha na minha realidade. Eu me achava idiota, estúpida, extremamente infantil por não saber lidar com algo tão simples como a existência do mal. Gente como eu não se conforma com a existência do mal.
O meu interesse por política apenas piorou o meu martírio. A causa de todo mal era puramente material e Deus não existia, numa visão política, mas eu sabia no mais íntimo do meu ser que Deus existia. Se Deus existe e Deus é o bem, existe também o mal e o mal é obra do diabo. Diabo significa simplesmente "aquele que é contrário" ou "o inimigo". Então Deus é o bem e o inimigo de Deus é o diabo, aquele causador de todos os males. Ou será que a dicotomia seria Deus e o homem e na verdade o homem é o causador de toda miséria, colocando a culpa na entidade malévola para se safar de suas responsabilidades? Passei a me questionar sobre a existência de um bem e um mal. Eu queria simplesmente Deus, queria que tudo fosse bem e tentei ver as coisas dessa maneira. Tudo é perfeito, tudo que acontece está perfeito de certo modo, não há por quê questionar. Mas isso também não era possível para mim pois eu não me conformava com o sofrimento humano, isso não pode ser bom, por quê as pessoas sofrem tanto? Conversei com algumas pessoas que tem essa visão de mundo e elas basicamente são reencarnacionistas. Acreditam em Karma e Darma e acreditam que cada um tem o que merece sobre a face da terra pois estão pagando por erros de vidas passadas. Mas isso também, nunca me desceu. Como eu posso ser obrigada a pagar por coisas que eu fiz em uma outra vida e o quanto é fácil alguém me fazer acreditar que eu estou sofrendo por causa de algo que eu fiz numa outra vida. É muito cruel. Quando eu já não sabia mais o que fazer, ou no que acreditar, apesar de acreditar no bem, independente do que o emaranhado de conhecimentos contraditórios que eu havia adquirido ao longo desse tempo todo e eu já estava quase sucumbindo à minha própria desgraça eu falei com uma prima minha que é cristã e ela me sugeriu fazer algo que até então na minha epopéia eu não tinha tido coragem de fazer: orar. Ela falou, ora Deise, conta tudo para Deus o que tu está sentindo. Eu não me sentia digna, não achava que eu era merecedora dos ouvidos de Deus mas pensei, não custa nada tentar e foi o que eu fiz. Eu contei tudo que eu estava sentindo para Deus à noite e pedi por alguma orientação. No outro dia eu acordei bem melhor e fiquei espantada com aquilo e como nunca havia me ocorrido de tentar. Desde aquele dia essa é a minha maior conexão com o universo e com Deus, a oração. Pode parecer ridículo, infantil, bobo, mas depois de tudo que eu passei, tudo que eu estudei eu posso dizer com propriedade que a oração é a melhor conexão com Deus que eu já tive na vida. Quando eu era criança eu não orava, eu rezava e era diferente. A reza é um ritual, é uma ladainha pré-pronta que tu repete e que tem certo valor simbólico sim mas é bem diferente da oração onde tu sente essa presença divina de uma maneira muito mais intensa. Agora o bicho papão diminuiu, já não tenho mais tanto medo da sombras pois toda noite eu falo e toda noite eu recebo as respostas que preciso para continuar, Deus é infinito e não há o que não saiba.
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